Panfletos
Considerações extemporâneas sobre a nossa não-ida ao FSM (Coletivo Acrático Proposta, Coletivo contra-a-corrente e Comunidade Piracema)
Sobre o "Plebiscito da Dívida Externa": Enquanto houver dinheiro não haverá suficiente para todos
Sobre
a Guerra de Kosovo: Nenhum
tostão, nenhuma gota de sangue para
Novamente afirmamos: Não vamos ao Fórum Social Mundial de Porto Alegre!!!
Ali, durante
alguns dias, os candidatos a gerentes do sistema, ainda que candidatos a postos
muito inferiores na atual hierarquia mundial do capital, reuniram-se para dar legitimidade
contestatória às recomendações de "democratização",
"participação", "diminuição da pobreza",
"cooperativismo" e "desenvolvimento ecologicamente sustentável";
recomendações que, desde há alguns anos, o Banco Mundial vem fazendo aos
governos nacionais e locais. Anunciado como contraponto propositivo ao Fórum
Econômico Mundial, realizado anualmente na cidade de Davos, na Suíça, o qual
reúne diretamente em assembléia os senhores do mundo e seus mandatários mais
próximos, o FSM foi pensado e realizado (e por isso obteve o apoio do sistema,
desde a cobertura ampla e diária da rede Globo nos noticiários, no seu canal a
cabo, e nas telenovelas ao aparato estatal colocado a seu serviço) para se
constituir na via de integração do "movimento antiglobalização"
aos mecanismos de negociação que o capital mundializado tem buscado
criar. Em outras palavras, um instrumento de pacto social mundial; em
conseqüência deste conteúdo
Composto e
determinado em sua dinâmica essencialmente por todas aquelas fatias da contestação
consentida, reunidas em Porto Alegre para se apropriar
programaticamente do que o capital mundial quer e precisa para a
manutenção de um sistema que já não pode ser reformado, senão nas idéias e
suas ilusões, o que só é possível na medida em que ele próprio se aproprie
das contestações verdadeiras dos de baixo: eis o que foi, efetivamente,
o FSM e também o que ele demonstrou-se
Mais de mil
jornalistas, em sua maioria estrangeiros, funcionários das principais empresas
e agências internacionais de informações; centenas e milhares de funcionários
de ONGs, sociólogos, assistentes sociais e arrivistas de toda espécie; a
classe média democrática e ressentida, com seus políticos, mandatários e
carreiristas sem desânimo; sindicalistas, estudantes com aspirações
intelectuais e progressistas, professores, artistas e escritores que, antes de
sustentarem a contestação social, sustentam-se dela – eis, enfim, de que se
compôs essencialmente o público do FSM. Ao lado desses, e em muitos
aspectos, em oposição a eles, toda uma multidão minoritária e subordinada
de movimentos e ativistas, cujas diferenças entre si e deles com o próprio Fórum,
serão reconhecidas e analisadas
O Fórum
Social Mundial, reconhecido nessas características, não expressou só uma
"conspiração" do Estado, do capital e seus reformistas tentando se
apropriar do movimento antiglobalização. Essa
é, desde sempre, a astúcia própria do sistema que busca integrar a si toda
forma de contestação, tal qual a mercadoria faz com tudo o que pode ter uso,
real ou ilusório:integra o outro, destruindo-o enquanto outro, submetendo-o à
sua loucura identitária, onde toda potencialidade do conflito deve ser
dissolvida. Assim, antes de tudo, o FSM foi uma armadilha integradora, uma
tentativa de conduzir todo o antagonismo para o interior mesmo da lógica
mercantil e institucional. Os funcionários do capital – nos governos, nos
partidos e ONGs – apenas realizam essa lógica que, afinal, não lhes é
"imposta"
Daí que toda
a sua perspectiva "propositiva" nada mais seja do que a ideologia própria
dos portadores de mercadorias, pequenos e grandes, que no mercado, têm a ilusão
de negociar livremente, tanto quanto nas eleições parlamentares e para os
governos, onde têm a ilusão de decidir livremente; que têm a ilusão de
determinar, com suas falas e propostas de acordos – adequadas desde o início
às "tendências do mercado" – os resultados da negociação. Não
é necessário dizer, mas sejamos redundantes, esse é o falso diálogo, a fala
de personagens cujo texto não foi escrito por ninguém, mas determinado
pelo movimento realista e autonomizado das coisas. É o
mesmo movimento realista que move o capital
No
movimento “antiglobalização” nem tod@s
Que o
FSM se realize como tentativa de apresentar-se como síntese das lutas
"antiglobalização", é só a realização daquilo mesmo que
caracteriza toda a esquerda institucional e sua tentativa permanente de
tornar-se porta-voz das reivindicações, para incluí-las - uma vez mais e
sempre - na lógica da "diversidade consentida" do mercado e do jogo
eleitoral. Um outro mundo é possível diz o FSM. A tentativa de traduzir
o realmente diverso no mundo falsamente plural do mercado e do
Estado apresenta-se, ainda uma vez, como tentativa de colorir de tons diversos o
cinza do mundo único do capital e do Estado. A tentativa
integradora não é puramente exterior ao "movimento antiglobalização"
Na
heterogeneidade dos "movimentos antiglobalização", encontramos, como
uma das expressões do anúncio de Seattle - anúncio de uma resistência
mundial, tão mundial quanto a economia deles - a AGP, que em dias de
protestos horizontais e internacionalistas, apresenta-se como coordenação
de lutas convergentes contra o capital transnacional e suas instituições. Tais
dias de Ação Global encheram-nos a imaginação e impulsionaram-nos as mentes
e as mãos; protestos que, sem dúvida, anunciam a necessária e central luta em
nível mundial
Entretanto,
mesmo entre esses setores anticapitalistas do "movimento antiglobalização"
- ligados ou não às iniciativas da AGP - e a partir dos próprios impulsos de
Seattle, uma série de ilusões começou a tomar corpo. Trata-se, neste caso, da
tendência à construção de um movimento especializado e separado. A
perseverança unilateral dos "dias de luta contra o
capitalismo", como se jornadas pudessem derrotá-lo, termina por constituir
a tendência de um movimento separado – e, com ele, uma consciência
separada e, portanto, ilusória
No entanto,
transformando o calendário deles em calendário de nossos
protestos, terminou-se por constituir, em determinados setores, uma cultura de
apartação entre as mobilizações mundiais e o antagonismo cotidiano e, em
conseqüência, uma militância também apartada, separada e iludida; uma
militância especializada que, na autocontemplação estetizada da imagem
de seus feitos, contenta-se em substituir a crítica prática de milhões
desde as fábricas e bairros pelo enfrentamento desenraizado. Age-se aqui como o
pequeno mercador que reconhece que o diálogo não define os rumos da negociação,
e o substitui pelos gritos; com isso, ele quer alterar os rumos da
negociação, mas não a sua existência mesma. Ou como o pequeno quadro da
esquerda oficial, que, ao “descobrir” que no parlamento nem tudo é negociável,
radicaliza no discurso mas não altera em nada a crença no próprio parlamento.
Em outras palavras, o ativismo separado, ainda que o mais radicalizado, tem
tantas ilusões quanto são ilusórias as crenças dos pequenos comerciantes e
as do parlamentar “radical”. Tal indignação, puramente aparente, é na
verdade a confissão da própria impotência. Enquanto resistir
O diálogo prático é o caminho para a convergência das autonomias
Pensamos
que da convergência das múltiplas práticas à crítica de totalidade (que
deve ser diversa na forma e nas motivações, mas "unitária" no
combate ao identitarismo totalitário do mercado e à opressão tirânica do
Estado), é forçoso que construamos um tempo e um espaço próprios; um tempo
que não é aquele dos projetos, aprovações e financiamentos estatais ou
privados, tão rapidamente encaminhados, como aquele que se deu no Fórum Social
Mundial, nem o espaço analítico das instituições organizadoras da falsa
sociabilidade, do falso diálogo. A crítica de totalidade há de ter um tempo
próprio, o vagaroso e enriquecedor tempo da conversação, cujo critério
é o da argumentação legítima, posto que fundado no diálogo real
Há de ter um
espaço autônomo, não cedido ou mitigado, mas conquistado como o espaço mesmo
da insurgência, da rebeldia e parte da resistência à organização
estato-mercantil das vidas e dos lugares vividos.Enfim, um tempo-espaço que
resista a ser re-subordinado na medida em que absoluta e intransigentemente
fundado na autonomia mesma da experiência antagonista. Que seja, assim, a
expressão da constituição do diálogo real, não só o diálogo da experiência,
mas o dizer comum dessa experiência, a co-produção do comum; em
outras palavras, ser conscientemente coerentes com o que temos feito.
E nisso, precisamente, mais do que simplesmente convergir eventualmente, tecer a
totalidade da negação ao mundo alienado da mercadoria, do dinheiro, do
capital, da hierarquia sócio-estatal e de suas ilusões. Tecer, com a força
das palavras ditas em atos e tornadas conscientes de si, uma trama outra, a da
insurgência tornada, assim, incapturável, pois dita e feita.
O FSM foi uma armadilha de captura e despotencialização do antagonismo
Mas
precisamente porque apenas começamos a dialogar e a percorrer esse tempo-espaço
co-produzido, e face às ilusões que no nosso próprio interior passou-se a
alimentar num movimento separado (e, portanto, novamente especializado), o
chamado decretado pelo Estado e o capital, para o Fórum Social Mundial,
teve tanta repercussão junto a movimentos de base e ativistas – e não apenas
junto àqueles cujo antagonismo ilusório (pois separado e especializado) é,
por natureza, vocacionado à recuperação, mas, infelizmente, também alguns daqueles
que, de fato, buscam, desde o seu cotidiano, superar as determinações do
sistema. É neste último caso onde encontra-se, seguramente, a principal
contradição presente no Fórum: a contradição entre o conteúdo da ação
de diversos movimentos e ativistas, potencializadora da crítica de totalidade e
a consciência ainda parcial, acerca de sua própria prática
antagonista. Tal parcialidade lhes permitiu mover-se a um espaço o qual,
precisamente, implicava – ainda que momentaneamente - a
"neutralização"
Muit@s
companheir@s honestos e combativos, com os quais compartilhamos, inclusive corporalmente,
o combate nas ruas, foram ao FSM, com o intuito de "demarcar",
"denunciar”. Ao lado deles, com a mesma intenção, outros de outro
feitio – os eternos candidatos a "dirigentes" da humanidade, os
neoleninistas e neobolcheviques de várias marcas. Num caso e noutro, somos forçados
a dizer, não apenas a intenção formal, mas o ato real
Quanto aos
primeiros, no entanto, mais que isso: a ida ao Fórum Social Mundial, no momento
em que se davam, na Suíça, ainda uma vez mais, como em Seattle, Washington,
Praga, os combates ao topo da hierarquia capitalista diretamente reunida em
assembléia mundial, implicou uma despontecialização, de fato, da nossa
capacidade antagonista. Em janeiro, o que o mundo inteiro leu e viu nos mass
media foi a contraposição falsa e o diálogo falso entre
Davos e Porto Alegre, ao passo que a afirmação real de antagonismo em ato pel@s
companheir@s na Suíça era "tornada" apenas a "face mais
radical" dos que em Porto Alegre buscavam soluções mais
"humanas" e "justas" para a globalização. Ora, se há algo
que pode ser dito sobre a presença de inúmeros setores antagonistas no FSM, é
exatamente que tal presença, constituindo a fundamental contradição deste Fórum,
implicou ali a neutralização da sua ação, estabeleceu uma
esquizofrenia que é própria do mundo da mercadoria e suas separações; opôs,
pela presença no Fórum, o conteúdo da sua ação à ausência de uma
radical recusa à subordinação a qualquer espaço-tempo neutralizador de sua ação
antagonista.
Não se trata
para nós, como o é para o neotrotskismo "radical" e todas as frações
neobolcheviques, de propor às lutas concretas do proletariado – que eles
consideram, metafisicamente, já em si revolucionárias – um programa
"revolucionário" estatista e nacional-desenvolvimentista (não-pagamento
da dívida externa, fora FMI, defesa das estatais etc.), apenas na forma
internacionalista. Trata-se, isto sim, de ressaltar que fora do reconhecimento
pelo próprio proletariado do conteúdo antagonístico de
suas lutas, elas não são em si mesmas revolucionárias.
E esse reconhecimento não é, insistimos, uma revelação exterior,
"científica", trazida desde fora por vanguardas, especialistas ou
dirigentes, mas, necessariamente, construído pelo e no diálogo
prático entre os sujeitos reais das lutas proletárias; esse diálogo de
quem faz e – ao fazer – diz a si mesmo o que faz. Este diálogo consciente
que pode, enfim, e só ele, potencializar o diálogo prático, já agora em ato
e que começa a ser comum.
Quando @s noss@s
companheir@s resolvem, de modo estéril e espetacular (repitamos), assinar uma
nota com os candidatos a "dirigentes revolucionários", nota estatista
e nacional-desenvolvimentista (Declaração dos jovens anticapitalistas
contra o Fórum Social Mundial), fazem concessões aos irmãos siameses
dos promotores do FSM; e isso porque, já antes, ao irem ao Fórum, o haviam
feito aos próprios promotores dele. Que tal nota expresse, pelo seu título, o
mesmo método da esquerda oficial, que não se questione um segundo sequer sobre
a pretensão de reunir num falso mundo a diversidade que realmente
somos, apenas acrescentando um "destruindo o capitalismo" puramente
estético, é só a demonstração do que dissemos. Que o mundo que queremos ver
substituindo a este é um mundo anticapitalista, não há dúvida; mas
precisamos ser conseqüentes com isso, reconhecendo que a ruptura com o mundo único
do mercado e do Estado é, forçosamente, a construção de um mundo onde
caibam muitos mundos, e por isso, co-produzido - no diálogo
prático - a partir da diversidade que somos e que, contra esse mundo
unificado, insistimos em ser. Tal reconhecimento passa a anos-luz da nota em
questão, vanguardista e cheia de pretensas verdades e verdadeiras mentiras como
é toda a "esquerda oficial"
Tornar o Fórum
um lugar no qual pode-se ilusoriamente fazer a crítica dele mesmo é torná-lo
falsamente o lugar do diverso, do diálogo, de encontro e socialização das
experiências de crítica prática; para isso serviram, como, aliás, os
promotores do FSM já haviam previsto e querido, as oficinas alternativas, o acampamento da
juventude, as declarações críticas.
Ora, o FSM foi – e isso estava desde o princípio claramente previsto – o
espaço da falsa diferença, da falsa multiplicidade
que em verdade só reproduz o simulacro da diferença que, no mercado,
encontramos entre as várias (logo)marcas ou entre os diversos partidos nos
parlamentos e em todas as instituições do sistema; quando a diferença real não
se nega de modo extremo e inequívoco
Uma última palavra...
Para
finalizar, uma observação se faz importante aqui. Nós, coletivos autônomos,
que elaboramos e assinamos essa nota, não o fizemos senão como parte de um diálogo prático; não no sacrifício das diferenças,
mas num esforço em que essas diferenças apareceram a partir de uma mesma
preocupação prática, já em diversos aspectos comum, e de uma reflexão
comum, que, no entanto, não busca a unanimidade. Assim, os pontos de vista que
aqui expressamos conjuntamente têm, sem dúvida, tensionamentos com os pontos
de vista mais particulares de cada qual dos coletivos, mas tais tensões se
inscrevem no experimento do que, esencialmente, afirmamos aqui: o experimento do
"consenso heterogêneo"
Belo Horizonte, Fortaleza, Santa Maria, entre janeiro e fevereiro de 2001,
Coletivo Acrático Proposta
Comunidade
Piracema
Enquanto
houver dinheiro não haverá suficiente para todos
No início do mês de setembro, tivemos contato com um plebiscito organizado pela Igreja Católica e setores da “esquerda oficial” que questionava sobre o pagamento da dívida externa. O assunto nos instigou a reflexão e resolvemos assumir o debate. Será que o não pagamento dessa dívida melhoraria a vida das pessoas? Permitiria os investimentos necessários em educação, saúde, moradia e coisas do tipo? Ou – como propõe esses setores sociais – possibilitaria o “desenvolvimento nacional”?
Pensamos sobre essas questões a partir de uma outra ótica. É que para nós as ações para melhorar a vida não estão ligadas ao desenvolvimento da economia capitalista. Na verdade, a condição de miséria da maioria das pessoas do planeta é fruto desse desenvolvimento. E isso porque esse sistema não se desenvolve de outra maneira que não seja submetendo a maior parte das pessoas à exploração por uma minoria que usufrui sozinha os frutos gerados pela maioria. Como sabemos, não existe o rico se não forem os pobres para produzirem pra ele. Da mesma forma, o que seria dos países ricos se não fossem o roubo e a exploração efetuada por suas elites nas colônias de outrora e nos atuais países pobres? Por isso, falar em “desenvolvimento nacional” pressupõe ocultar os efeitos que a dominação por ele gerada tem sobre outros povos do mundo e ainda convencer aos trabalhadores que eles devem dar o próprio sangue, se preciso for, pelo “desenvolvimento da nacional”, como se essa “nação” os incluísse.
Será que simplesmente não pagando a dívida externa estaremos (nós, os simples mortais) nos livrando dos agiotas que ameaçam nossas vidas por alguns trocados? Será que assim deixaremos (nós, os trabalhadores e explorados) de dever contas impagáveis aos grandes bancos e lojas comerciais? Será que assim nos livraremos da exploração, da humilhação e do tédio que caracterizam o trabalho assalariado? Será que pelo menos virá alterar em alguma coisa a dominação das grandes empresas monopolistas (como a IBM, a Fiat, a McDonald’s , entres algumas outras) que controlam a economia mundial e nos impedem de viver e de criar? Estaremos nos libertando da dominação do mercado, que em todo o mundo leva as pessoas a destruir aquilo que é produzido, já que o preço é mais importante que a vida humana? O fato é que a lógica que está por trás da dívida externa convive entre nós em nosso cotidiano, pois é a mesma lógica do mercado que nos submete à disputa do dinheiro, num momento em que a humanidade já produziu tecnologias e riquezas suficientes para dar uma vida muito melhor a todos nós, sem precisarmos da irracional “luta de todos contra todos” no mercado..
Neste sentido, ser coerente com o combate à dívida externa passa por construir relações opostas àquelas ditadas pelo mercado, onde sejamos capazes de nos entender e assim definirmos o que queremos da nossa própria existência coletiva. Essa construção de que falamos passa pela realização de uma outra cultura, onde não existam dirigentes e dirigidos, dominadores e dominados, mas pessoas solidárias com a vida. E não se trata de uma proposta para daqui a cem anos, pois a gestação prática dessa crítica já envolve milhares de pessoas no mundo, principalmente no centro do capitalismo, ainda que nem sempre de modo tão consciente e explícito. São movimentos de base anti-hierárquicos que, organizando-se em torno das reivindicações mais diversas, encontram no mercado mundial o objeto comum de crítica. Por isso, esses movimentos de base têm construído ações conjuntas contra o mercado, como aquelas que no ano passado impediram a realização da reunião da Organização Mundial do Comércio em Seattle e já este ano em Washington prejudicaram a reunião do FMI e Banco Mundial.
Neste mês de setembro, a cúpula da burguesia mundial estará reunida em Praga, enquanto milhares de pessoas no mundo todo estarão se manifestando contra o capitalismo. Aqui em Fortaleza já temos alguns grupos se organizando, de modo que convidamos você a ser também um sujeito dessa transformação. Sendo assim, converse com os seus amigos, vizinhos, companheiros de trabalho ou de estudo sobre diversas formas de se manifestar nesse dia. Não espere por soluções mágicas vindas do alto, pois é lá de cima que “eles” tramam contra ti.
Não pagar a dívida externa! Não pagar nenhuma dívida. Não pagar nada. Troquemos o jogo cego e irracional do mercado pelo livre e coletivo jogo sobre a vida. O problema não é só dívida, mas a origem de toda a dívida e toda a miséria: a sociedade da compra e da venda, a sociedade de mercado.
No dia 26 de setembro, proteste contra o capitalismo!
Coletivo contra-a-corrente
Nenhum
tostão, nenhuma gota de sangue para máquina
capitalista de
Desde o dia 24 de março, a humanidade assiste horrorizada a mais uma guerra capitalista. As tropas da OTAN -- sob a argumentação da "ajuda humanitária" à etnia albanesa na região de Kosovo, na Sérvia, vítima da política fascista de "limpeza étnica" do regime de Slobodan Milesovic, e como forma de pressão para que o Estado Sérvio aceite um "tratado de paz" que teria como uma de suas condições a presença daquelas mesmas tropas naquela região -- bombardeiam incessantemente prédios "públicos", alvos militares, centros de refugiados, fábricas e regiões civis na Iuguslávia. Ao mesmo tempo, o Estado Sérvio, conseguindo unir a "consciência nacional em defesa da pátria", calou a oposição e, sob o espetáculo militar dos ataques da OTAN, reforçou sua própria presença militar em Kosovo, expulsando centenas de milhares de kosovares de etnia albanesa e, praticamente, liquidando a resistência militar do EKL (Exército de Libertação de Kosovo), cujas tropas bandearam-se para as fronteiras da Albânia e da Macedônia. O "saldo" humano deste cenário de horror não pode ser avaliado, mas os números -- que, por si só, nada dizem -- falam de cerca de 600 mortos (entre civis sérvios e kosovares), além de cerca de 700 mil refugiados da etnia albanesa de Kosovo.
A
natureza econômica da guerra
A
essência desta guerra, como de todas as guerras capitalistas, é econômica.
Não precisaríamos estar afirmando isto, não fosse o hipócrita discurso com
que os chefes de Estado e estrategistas militares da OTAN buscam
"justificar" sua ação, em nome, mais uma vez, da "ajuda humanitária"
aos kosovares. Não fosse o discurso patriótico e "antiimperalista"
com que o próprio Estado Sérvio busca criar condições políticas para o seu
próprio enfrentamento militar às tropas da OTAN e do seu genocídio em Kosovo.
Não fosse, enfim, as "explicações" dos comentadores de todos os
tipos -- desde colunistas internacionais a historiadores, sociólogos e antropólogos
-- que buscam dar uma explicação "religiosa"
A causa desta guerra, no entanto,
não é senão a crise do mercado mundial.
Uma das fases dessa crise, em seguida à própria dèbacle
dos países capitalistas periféricos no início dos anos 80, pôs à deriva --
já no final daquela mesma década -- as economias cujo processo de modernização
tiveram como bases a estatização e a
planificação, tais como os países do Leste Europeu e a URSS. A
revolução cientifico-tecnológica e o aumento da centralização internacional
do capital retiraram toda a competitividade -- que acirrara-se na crise
de superprodução do mercado mundial -- daquelas economias que, apesar
da concentração estatal dos meios de produção
É
esta feição da crise mundial do mercado que explica a crise política dos
"mercados socialistas"(sic) do Leste, a desintegração da URSS e da
própria antiga Iugoslávia. Nestes países, cujo processo de modernização econômica foi baseado
na estatização da economia, o profundamento da crise e o fracasso do processo
modernizdor iriam incidir -- pelos seus reflexos ideológicos -- justamente na
própria crise da unidade do Estado. Ao contrário do que dizem os
comentadores burgueses, a crise econômica não foi uma conseqüência da
desintegração da Iugoslávia e de quase uma década de guerras; ao contrário,
a desintegração dio Estado e as guerras
é que foram conseqüências da crise. É neste cenário de crise, de
decomposição econômica e social, que nasce toda sorte de ideologias
nacionalistas, de xenofobias, que buscam ilusoriamente deter a decomposição econômico-social através de
projetos restauradores da "nação", da "etnia", do
"sangue". É essa e não outra a real essência da ideologia da
"Grande Sérvia" sustentada pelo (e que sustenta o) regime
nacional-"socialista" de Milesovic na Sérvia, do independentismo das
ex-repúblicas iugoslávas (Croácia, Macedônia, Eslovênia e Bósnia) e, também,
da ideologia da "Grande Albânia"
Por
mais que os estudiosos burgueses tentem explicar o atual conflito a partir de
uma causa étnica, religiosa ou histórica, tal explicação não resiste aos
fatos. O caso da ideologia nacionalista do Estado sérvio é típico. Em 87 (ano
já de crise econômica e política), Milesovic referia-se à necessidade de que
os sérvios "resgatassem" o território kosovar (onde 90% da população
era de origem albanesa), sob o pretexto da importância histórica daquele
território para o povo sérvio. Em 88, o Estado sérvio suprimiu a autonomia
administrativa que, desde 74
Também
por parte dos países da OTAN, o que está na base de suas ações militares é
a crise do mercado mundial. Os dados da própria imprensa burguesa dão o indício:
cada míssil usado nos bombardeios na Iugoslávia custa US$ 1 milhão. Na
verdade, as ações militares da OTAN custam cerca de US$ 40 milhões por dia,
tendo chegado a um total de U$S 1 bilhão de gastos em menos de um mês.
Animados com este volumoso escoamento de mercadorias, os congressistas norte-americanos já
discutem a aprovação de novos projetos para aumentar o orçamento militar do
país neste ano ainda, elevando em cerca de US$ 200 milhões um orçamento que já
é de US$$ 270 bilhões e que, do ano passado para cá, já havia crescido em
US$ 9 bilhões. Num mundo que gastou US$ 740 blhões em armamentos em 97, o
Estado norte-americano é responsável por pelo menos 40% deste volume. Segundo
a Folha de São Paulo, "Os projetos
[em discussão no Congresso americano] reforçam os lucros de uma indústria que
entrou em decadência no final da Guerra Fria e que tem renascido nesse último
ano do governo de presidente Clinton". E acrescenta, ao final da matéria:
"Com os conflitos na Bósnia, Iraque
e com o reforço da presença militar dos EUA na Ásia, a indústria de
armamentos nos EUA recuperou no último ano ao menos 20% do que perdeu na última
década" (04.04.99). Ora, num mercado em que é cada vez mais difícil
vender carros, sapatos e roupas, a possibilidade de realização
de um volume tão grande de valores
mercantis
Na
verdade, a indústria militar sempre cumpriu um importante papel na economia
capitalista, particularmente em seu período monopolista, quando a imensa
concentração de capitais aumentou as tendências às crises de superprodução,
à produção de capital excedente e à queda da taxa de lucros. Também nos períodos
de prosperidade econômica, como o do segundo pós-guerra (45-73), a indústria
militar cumpriu um importante papel no refreamento dessas tendências (e esse é
um dos motivos fundamentais da chamada "Guerra Fria"). Na atual guerra
nos Bálcãs, isso fica claro pelo simples fato de que, a cada quatro dias, os
EUA gastam mais em armas e combustível (US$ 160 milhões), do que todo o orçamento
anual da OTAN previsto para a ajuda
aos refugiados kosovares albaneses, fato que, aliás, por si só já desmarcara
o discurso hipócrita da "ajuda humanitária"
A
esquerda e a guerra
Não
pode, portanto, restar dúvida que esta é a guerra
da economia do mercado em crise. Mas, curiosamente, é também a guerra
da esquerda. Nos dois lados beligerantes, nós temos Estados dirigidos pela
esquerda. Em Inglaterra, França, Alemanha e Itália, partidos socialdemocratas,
trabalhistas, "socialistas", "comunistas",
ex-"comunistas" e verdes dividem ministérios entre si. Nos EUA, é o
Partido Democrata. E, mesmo na Iuguslávia, governa o Partido
"Socialista", sucessor da ex-Liga dos Comunistas. Na Albânia,
apoiadora dos bombardeios da OTAN, governa um gabinete dirigido por um partido
também chamado socialista, herdeiro do ex-PTA (stalinista), cuja vitória
eleitoral se deu sobre o massacre da rebelião de 97, massacre realizado com a
ajuda das tropas da Itália (já na época governada pelos
ex-"comunistas" do agora PDS). É também a guerra da "geração
de 68" dos pacifistas dos 70: Clinton, Jospin, Schroeder... E o falante
Cohn-Bendit, que ganhou destaque público com o Maio francês de 68, não perde
também a chance de mais uma vez destacar-se, demonstrando-se agora um radical
defensor da guerra, antecipando-se aos acontecimentos com a exigência de que as
investidas da OTAN desdobrem-se logo em ações
por terra. E mesmo Gunther Grass, escritor alemão que em outras ocasiões
esmerara-se por demonstrar-se um intelectual crítico e atuante, não deixou
também de fazer a defesa das ações de guerra. Isso, naturalmente, sem falar
de toda uma gama de intelectuais "de esquerda"
Neste
cenário, é sem dúvida ridícula a posição do PC Francês, que, compondo o
ministério de Jospin, "exige" "negociações
imediatas" para que se dê um fim aos bombardeios da OTAN na Iugoslávia
e à limpeza étnica em Kosovo... E, apesar deste espírito
"pacifista" e "humanitário", continua tranquilamente a
compor um governo beligerante e assassino, ao mesmo tempo em que chama aos
assassinos da OTAN e do Estado sérvio a pararem com o genocídio que, de mãos
dadas, efetuam juntos sobre os trabalhadores sérvios e kosovares. Em
Portugal (cuja presença na OTAN é puramente figurativa, tanto do ponto de
vista militar quanto político), o "socialista" Mário Soares
anuncia-se "solidário com as tropas
portuguesas e dos outros países da OTAN", argumentando que, no
entanto, "não haveria outro caminho".
Ao mesmo tempo, o velho e conhecido PC Português, numa declaração de um dos
seus dirigentes, expressa sua "mágoa
e indignação pelo tristíssimo fato", limitando-se a dirigir um
"apelo premente ao presidente da República
para uma urgentíssima ponderação". "Negociações", pedem os stalinistas franceses; "ponderação"
Para
completar o quadro, a chamada "extrema-esquerda", em suas feições
trotskistas, maoístas, castristas e de tantos outros naipes, saem em
defesa do Estado sérvio sob o argumento da "luta
antiimperialista". Para eles, o "imperilaismo" deixa de ser a
"fase monopolista do capitalismo" (Lênin), para ser uma política dos
Estados mais fortes (como dizia Kautsky). Raciocinando ainda na lógica da
"nação", do "Estado nacional" e da "economia
nacional", esses grupos demonstram-se incapazes de fazer a crítica pela
raiz do mercado mundial em crise. Por estarem presos ainda a uma ideologia estatista
e nacionalista (a ideologia do "desenvolvimento nacional"
autônomo, no qual o papel do Estado seria central), eles não vêem na atual
guerra (assim como na Guerra do Golfo), nada mais do que o confronto entre
"Estados imperialistas" e "nações oprimidas", o
"forte" o "fraco", o "atacante" e o
"atacado". Ao identificarem o "imperialismo" em apenas um
dos lados beligerantes, abandonam toda a crítica da essência da guerra
capitalista: o capital monopolista, a luta por mercado, a crise. Na escolha do
"mal menor", eles assumem a defesa patriótica do Estado sérvio e, programaticamente, assumem
postos nas trincheiras da guerra capitalista do mesmo modo que fazem os
stalinistas e socialistas governamentais
O
que este simples fato demonstra é que a velha
esquerda -- tanto a reformista, quanto a "revolucionária"
Para
nós, os trabalhadores não devem compor nenhum dos lados da guerra. É
perfeitamente compreensível que os trabalhadores norte-americanos e europeus,
diante das imagens e das notícias do genocídios em Kosovo, queiram dar um fim
nisso. É perfeitamente justa e legítima a revolta e a indignação dos
trabalhadores sérvios diante dos bombardeios da OTAN, que estão transformando
suas vidas em um inferno, tirando-lhes o "sossego", quando não a própria
vida. Do mesmo modo, é justa e legítima a vontade do albaneses de Kosovo de
determinarem livremente a sua vida, livre das imposições do Estado sérvio. Mas nenhum desses justos sentimentos poderão ser realizados através do
apoio às tropas da OTAN e sérvias
Ambos
os lados beligerantes são expressões de interesses econômico-sociais opostos
aos dos trabalhadores. As tropas da OTAN não bombardeiam por Kosovo; as armas sérvias
não atiram em defesa dos trabalhadores sérvios. A morte e a destruição que
horrorizam os nossos olhos só têm um significado: trata-se de sacrifícios no
altar do capital. A única coisa que os trabalhadores e jovens têm a dizer é: fim da guerra! Nenhum tostão, nenhuma gota de sangue para a guerra
capitalista! Mas o fim da guerra deve ser procurado não nos acordos
("negociações") entre os cavalheiros da morte, mas entre os que
querem viver: os trabalhadores. Já está mais do que na hora de romper com o patriotismo
e o nacionalismo, recuperando o antigo espírito de solidariedade internacional entre os trabalhadores, o internacionalismo
proletário. Por isso, chamamos aos trabalhadores kosovares, sérvios,
norte-americanos e europeus a não darem nenhum apoio às tropas sérvias e da
OTAN, a lutarem contra a guerra capitalista mobilizando-se contra
o Estado beligerante em seu próprio país
coletivo contra-
a-c
(Brasil)