Carta sobre a sabotagem (*)
Tyrone
Compa,
Seu texto, comentando o meu artigo do último número da revista contraacorrente, me parece ser um procedimento corretíssimo para a construção de uma cultura saudável no interior da luta anticapitalista. É com o mesmo espírito de tentar contribuir para a compreensão comum acerca dos problemas por nós revolucionários enfrentados é que retorno aqui a algumas questões.
Penso que em seu texto muitas idéias e preocupações são-nos de comum concordância, mas em outros momentos se expressam compreensões de fato diferentes acerca da resistência d@s proletarizad@s e da luta revolucionária.
Não quis fazer da sabotagem o método por excelência do proletariado, muito menos um modelo único de resistência a ser seguido pelo conjunto da classe até a revolução. E pelo que eu entendi, não é assim que me interpretas tampouco. Mas quando questionas o fato de o artigo fornecer "muito poucos elementos da realidade" quando trata do problema da sabotagem, fico me questionando sobre qual o procedimento adequado a se tomar.
O objetivo de meu texto não foi fazer um estudo profundo sobre o fenômeno da sabotagem – ou a sabotagem "enquanto fenômeno". Por isso, não me preocupei, de fato, em demonstrar nem o histórico dessa forma de resistência, nem tentei comprovar o grau de sua difusão no interior da classe. Não acredito que esse seja o único meio de se tratar das questões, pois, mesmo com todas essas faltas – e somos certamente muito carentes de maiores informações nesse sentido – a realidade da sabotagem no cotidiano das fábricas me parece ser um dado objetivo da trajetória do movimento operário.
O que tentei fazer foi chamar a atenção para a centralidade da luta contra o trabalho assalariado e para a importância da resistência cotidiana dos trabalhadores às conseqüências alienantes decorrentes das relações assalariadas. A sabotagem é uma forma de resistência que sempre fez parte das lutas de classes. E é enquanto parte dessa resistência real do proletariado contra a alienação que quis valorizar a sabotagem como método de luta historicamente atual.
* * *
Discordo, portanto, de que a sabotagem seja um método de luta "superado há muito tempo". Hoje, quando todo um conjunto de transformações do capital monopolista reposiciona as relações de produção no mundo, a sabotagem parece ser uma das práticas tradicionais que permanecem contestando o domínio do capital.
Nos atuais níveis de concentração e centralização do capital monopolista, a sociedade capitalista adotou uma dinâmica interna muitíssimo mais perigosa para o conjunto d@s proletarizad@s como nunca antes se viu. Todo o velho movimento operário hoje encontra-se em crise por não estar adaptado a essa nova realidade do capitalismo. É por isso, por exemplo, que o sindicalismo social-democrata ou o "modo petista de governar" vem-se moldando, cada dia mais, como os grandes bastiões da ordem burguesa. (Prestemos atenção ao Fórum Social Mundial!). Isso se dá porque a realidade do capitalismo contemporâneo impede qualquer reforma para melhor no interior ainda do sistema de produção de valor. Quando a esquerda oficial fala em "crescimento com distribuição de renda" ou em "justiça social" não faz nada mais do que buscar conciliar o inconciliável.
O capitalismo hoje assenta-se fundamentalmente no domínio de um pequeno punhado de grandes empresas monopolistas que, sozinhas, dominam o grosso da produção de riquezas do mundo. Isso significa não apenas que essas megaempresas possuem um poder sem precedentes de provocar arrocho salarial, demissões e formas precarizadas de emprego, mas também é esse domínio próprio dos padrões contemporâneos do capital que ocasiona o surgimento de um industrialismo extremamente mais nocivo para a vida no planeta em todos os aspectos.
As novas relações de trabalho gestadas nas últimas décadas não podem ser consideradas de maneira separada dessa realidade. Quando tentei ressaltar, em meu artigo, que o movimento revolucionário não poderia separar trabalho e vida cotidiana ao pensar sua estratégia anticapitalista estava querendo frisar que o trabalhador contemporâneo não sofre apenas as conseqüências diretas da escravidão assalariada dentro do tempo e do espaço de trabalho, mas encontra-se envolvido em todo um modo de vida determinado pela exploração capitalista.
O fenômeno do desemprego estrutural dessas últimas décadas não me parece, assim, um dado secundário da realidade. Podemos dizer que, de acordo com os padrões econômicos contemporâneos, não existe qualquer perspectiva de que os trabalhadores desempregados retornem a algum emprego regular como aconteceu nas antigas crises cíclicas do capitalismo. Toda essa grande massa humana está sendo jogada à condição de uma vida precarizada que chocar-se-á cada vez mais com o industrialismo burguês.
A
indústria capitalista contemporânea – e estamos falando de
um mundo industrial e não pós-industrial, como querem tantos
apologistas do sistema – traz em si as marcas de uma economia que se tornou
autônoma das reais necessidades humanas. Hoje, mais do que nunca,
são atuais as formulações de Marx afirmando o domínio
inevitável, no capitalismo, do valor de troca sobre o valor de uso.
Enquanto a fome alastra-se por todo o planeta, uma quantidade, inimaginavel
no passado, de produtos supérfluos e prejudiciais à vida humana
são jogados no mercado mundial só para sustentar níveis
altos de lucratividade.
Os monopólios capitalistas não sustentam mais sua produção apenas em torno de mercadorias de primeira necessidade. Cada vez mais vemos surgir novas frentes de exploração mercantil impulsionadas a partir do movimento autônomo da economia capitalista e do avanço tecnológico. A indústria high-tech está aí para demonstrar isso; mas não só ela. Toda uma nova onda de industrialização vai cobrindo antigos territórios humanos. A industria cultural, a indústria do turismo, o urbanismo e o mercado que proporciona, a industria bélica, o narcotráfico etc. são expressões todos eles de uma vida totalmente alienada onde os homens de maneira geral, e @s proletarizad@s em particular, não possuimos qualquer controle. E atrás de toda indústria estão as relações de trabalho. Como pensar a resistência d@s proletarizad@s diante dessas novas determinações do trabalho é o que parece ser o eixo central em torno da discussão acerca da sabotagem. |
* * *
Os trabalhadores de hoje têm-se deparado com relações de trabalho onde sua condição de instrumento passivo da produção está extremamente acentuada. Nas formas de integração que o toyotismo promove – e aqui penso como você: o toyotismo se expressa de diferentes formas em diferentes regiões e sociedades –, na verdade, em decorrência dessa integração mesma, os trabalhadores cada vez menos vislumbram alternativas sociais com otimismo e segurança. Dentro e fora do trabalho, um forte sistema de passividade social avança contra as utopias anticapitalistas d@s proletarizad@s, pregando um mundo onde as relações assalariadas, de mercado, baseado no controle estatal... são tidas como naturais e eternas. Marx mesmo já falava disso, em O Capital, na forma do "fetichismo da mercadoria". A alienação da vida cotidiana é hoje, portanto, uma poderosa arma capitalista de controle social.
E aqui está, segundo penso, um grande nó sem ponta onde a esquerda oficial se encontra. Para pregar uma estratégia ainda de administrar a ordem capitalista "com justiça social e distribuição de renda" nada mais faz ela que se perder em uma corrida fadada ao fracasso contra o grande capital. Se não se contestar o conjunto do sistema de passividade do capitalismo contemporâneo, nada poderá ser feito para retardar os efeitos maléficos das relações capitalistas. Mas só é possível uma crítica social radical nesse sentido, se se abandona todo reformismo.
A alienação do trabalho e da vida cotidiana, bem como sua superação, são práticas sociais concretas, e não convenções. A luta do velho movimento operário encontrou-se em diversas encruzilhadas históricas por manter-se alheio a essa verdade. Também nas sociedades do Leste-Europeu, China, Cuba... manteve-se a alienação na medida mesma que houve ali pouco mais do que alterações "cosméticas" na natureza da propriedade: de economia baseada na propriedade privada dos meios de produção passou-se a uma cuja propriedade era estatal. Acontece que a estatização das forças produtivas naquelas sociedades veio acompanhada de uma sistemática destruição dos meios autônomos do poder d@s proletarizad@s. A prática social concreta de superação da alienação foi destruída na medida mesma em que foi sendo esvaziada a prática da decisão coletiva, autônoma, dos trabalhadores organizados em conselhos. Nesse sentido, jamais houve ali real socialização.
No fundamento de tudo isso, acho que está o fato de o velho movimento operário nunca ter levado à radicalidade a crítica à relação assalariada como o pressuposto de toda crítica ao capitalismo. Como você mesmo demonstrou em seu texto, esse velho movimento "tinha como questão elementar a valorização de sua mão-de-obra", "o que restava para os trabalhadores era valorizar sua mercadoria". O que vejo de positivo na nossa atual conjuntura são sinais de uma possível renovação dessa prática. Podemos pensar – ou torcemos para que assim seja – que, pela primeira vez, um grande movimento d@s proletarizad@s em nível mundial comporá uma luta cujo horizonte não sejam os estreitos limites das relações assalariadas. Que o objetivo a ser almejado não seja o aprimoramento da condição de mercadoria humana do trabalhador, senão a sua real libertação dessa condição que o assalariamento impõe. Num momento em que já é tão grande o domínio dos monopólios capitalistas, que o trabalhador está de tal forma submetido às ingerências da sede de lucros das grandes empresas, oxalá consigamos pôr a frente um movimento realmente revolucionário e radical.
É considerando essas determinações do capitalismo contemporâneo que devemos avaliar a atualidade ou não da sabotagem como método de luta do@s proletarizad@s. Penso que @s proletarizad@s, no meio desse turbilhão de coisas, não podemos ser considerad@s como um elemento passivo. Quero dizer que, mesmo diante de métodos de controle burgueses tão exacerbados, @s proletarizad@s hoje resistimos e lutamos contra a exploração. Mas avaliar essa resistência requer procurarmos outros parâmetros que não sejam aqueles consagrados pelo velho movimento operário.
Este, ao se deparar com a sabotagem cotidiana d@s proletarizad@s, sempre sentiu-se mal, pois nunca pode aceitar tal método como legítimo. A velha tradição do movimento operário (bolchevique, spartakista... Rosa Luxemburgo seja talvez uma feliz exceção) – não admitia confundir-se com os sabotadores porque diziam representar um movimento "superior" da classe. Mas no que se assenta tal concepção? A luta "superior" da classe, segundo Lenin, era a luta "social-democrata" ou a "luta política". Em O Que Fazer? este dizia que o "movimento espontâneo" da classe nada poderia trazer que não a reprodução de formas burguesas de sociabilidade. Lenin tinha como parâmetro, tratando como movimento espontâneo, o sindicalismo pelego inglês (as trade-unions). Segundo ele, toda forma espontânea da luta d@s proletarizad@s tendia a se tornar economicista, procurando melhorias econômicas no interior dos horizontes do trabalho assalariado. Qualquer forma de luta revolucionária deveria, assim, "vir de fora", gestada no seio do partido revolucionário. Para Lenin, o movimento d@s proletarizad@s era considerado como um movimento especializado.
Mas Lenin e o velho movimento operário fazem parte de uma tradição substituicionista (lembre-se que as formulações sobre organização mais importantes de O Que Fazer? baseiam-se em Kautsky). Considerando o socialismo como um estado superior a ser alcançado não tinham outra forma de conceber o movimento revolucionário que não através da estrutura representativa, sindical, partidária ou o que seja. Mas não podemos mais pensar assim. A revolução d@s proletarizad@s só poderá ser fruto de nossa própria luta autônoma ou nada será. E essa é uma determinação tão complexa que mesmo no interior do nosso movimento, que busca superar a ideologia estatista, ainda temos um longo caminho a percorrer para adquirirmos a clareza suficiente do que de fato significa a autoorganização revolucionária. Por tudo isso, procurei escrever aquele artigo valorizando uma luta que, acho, não pode ser considerada de nenhuma maneira "inferior". A sabotagem reage contra um conjunto de aspectos da exploração capitalista que são de caráter eminentemente universais. Qual relação de trabalho assalariada não se baseia na ditadura da produção, na forma hierarquizada de decisão, na humilhação dos trabalhadores menos adaptados...? Não entendo como concebes a sabotagem como um método de resistência isolado quando o que se nos apresenta é uma difusão larguíssima da enrolação do trabalho e de meios criativos de burlar imposições autoritárias reagindo exatamente contra as características mais intrínsecas do assalariamento. |
Temos aqui em Fortaleza uns companheiros que trabalham numa indústria de beneficiamento de castanha de cajú. Nessa fábrica, o patrão quis, de uma hora para outra, mudar o regime de horário semanal. Onde antes os operários trabalhavam seis dias seguidos e folgavam aos domingos, resolveram alterar para uma relação trabalho/folga de cinco para um – a cada cinco dias trabalhados, passavam a ter os trabalhadores um dia de folga. Ora, dessa forma os donos da indústria puderam fazer – bastando para isso manejar algumas turmas de funcionários – com que a produção não parasse nem aos domingos. Além disso, eliminou com eficiência as horas-extras e outras garantias trabalhistas.
A maneira que os companheiros acharam para protestar contra essas medidas foi a sabotagem. Sindicato não há na realidade cotidiana das fábricas. Nem havia qualquer outra forma de organização à mão em que se amparar para resistir. A sabotagem nem por isso foi uma forma inferior de luta. Em pouco tempo todo um setor decidiu "faltar" o trabalho no primeiro domingo depois de entrarem em vigor as mudanças de horário. De dezesseis, nove foram ao trabalho, mas sete faltaram. Como se tratava de um setor fundamental da produção, toda a fábrica teve de parar em decorrência da sabotagem. E como se trata de uma fábrica que depende de um forno para funcionar, tiveram que esperar por dois dias até que o forno esfriasse completamente e voltasse à temperatura ideal.
Na avaliação dos companheiros, aquela ação teve um efeito muito positivo de, além de manifestar o descontentamento dos operários, colaborar com a auto-estima coletiva e demonstrar que juntos os trabalhadores podiam resistir e mesmo forçar vitórias parciais no seu cotidiano.
Exemplos como esses, que imagino existirem em quantidade em todo o mundo, me parecem ser extremamente importantes para a experiência de novos modos de agir da classe. Concordo contigo que @s proletarizad@s necessitamos "recuperar o saber fazer" e, dentro das relações assalariadas, a sabotagem sempre foi um importante exercício de saber fazer. Não poderíamos pensar que o exercício de novas relações sociais pudesse advir de modos de resistência senão daqueles que emperram em ato o trabalho assalariado. Qualquer relação assalariada que seja, mesmo a menos violenta, parte sempre do pressuposto de existir o monopólio da decisão nas mãos dos que não trabalham, reproduzindo sempre a divisão do trabalho entre intelectual e manual. Daí porque "buscarmos fazer aquilo que nos dê o mínimo de satisfação" nunca poderá decorrer, como você afirma, ao menos no interior de relações assalariadas, de um "trabalho bem feito".
* * *
Em outro momento do texto, afirmas que a sabotagem não seria um método legítimo de resistência porque, ao assumir tarefas no interior da produção, todo trabalhador "começa a estabelecer uma relação social concreta" com "aqueles que vão se utilizar daquele bem que está sendo produzido". Posso concordar que exista entre o operário da fábrica e os usuários dos produtos da mesma fábrica uma "relação social concreta". Mas isso não é dizer que essa relação é uma relação direta. Entre o operário da fábrica e o usuário do produto encontra-se o abismal vale do capital interpondo-se e redirecionando qualquer relação direta. Dizer isso não é isentar @s proletarizad@s de qualquer preocupação com o uso que se fará com as mercadorias que estão produzindo, mas é frisar que nunca poderemos abrir mão da sabotagem em nome de uma preocupação que pode estar sendo superestimada. No meu texto cheguei a tocar nesse assunto quando disse que não é qualquer sabotagem um meio válido de luta. O "nó cego" e o "irresponsável" parecem-me também ser elementos muito ruins entre @s proletarizad@s na medida em que se colocam sem qualquer relação com @s demais. Mas rejeito inteiramente a caracterização de qualquer sabotagem como inevitavelmente, ou mesmo tendencialmente, um efeito do individualismo inconseqüente.
Acho essa parte da discussão sobre a sabotagem um tema de grande importância educativa para a formação de laços de classe entre @s proletarizad@s. E concordo plenamente com a frase: "O fato de que estamos sob uma determinada ordem que não queremos e não concordamos não pode permitir que uma luta contra o capitalismo justifica que façamos qualquer coisa". Mas o alcance que tem a sabotagem anticapitalista não está restrito a uma reação "qualquer" contra a ordem.
Isso é muito atual se olharmos para os males que o avanço tecnológico sob o industrialismo burguês tem feito à humanidade. A obesidade, o stress, os diversos tipos de câncer, para não falar dos efeitos incontroláveis e desconhecidos dos alimentos transgênicos são alguns exemplos de como o capitalismo vem lançando todo o planeta à bancarrota mais completa. Soube por uma reportagem de TV que um dos cientistas que bolaram a bomba atômica hoje lança uma nova "contribuição", dessa vez preocupado com o efeito estufa que ameaça em pouco tempo transformar nosso planeta em um grande forninho. A idéia dele, num típico procedimento unilateral burguês, é lançar na órbita atmosférica da terra zilhões de espelhinhos para filtrar os raios solares, refletindo o excesso – como se o efeito estufa fosse provocado por excesso de sol! Só não explica aquele cientista quais as conseqüências concretas dessa "fantástica" idéia, nem sobre a importância de o céu deixar de ser azul, nem sobre o perigo de a terra passar a ser uma nova e artificial estrela irradiadora de luz para o desconhecido espaço sideral.
Entre destruir forças produtivas – e assim ameaçar a máquina de fazer dinheiro – e transformar completamente a relação dos homens com a natureza em nome de uma vida melhor, foi a primeira opção que a burguesia escolheu e há de escolher sempre. Mas @s proletarizad@s não poderemos ter dúvida em optar pela segunda. E nesse caso, a sabotagem revolucionária passa sim pela destruição concreta de máquinas que só servem para lucrar – explorando o trabalho humano na produção de bens destrutivos – e nada mais. E é a sabotagem, nesses casos, que forja as relações sociais concretas entre os homens no processo revolucionário.
* * *
Os ludditas anteciparam essas preocupações num momento em que o alcance dos efeitos maléficos do capitalismo não se demonstrava – como hoje – em proporções tão imensas. Mas decerto os ludditas reagiam diante de problemas bastante concretos quando rebelaram-se contra as máquinas. Não agiam como "primitivos inebriados por um ódio religioso às máquinas" (e sei que você não falou isso, mas é uma crítica comum aos ludditas). Diante de suas próprias experiências, os ludditas contestavam o conjunto de coisas que iam conformando o trabalho assalariado durante a primeira Revolução Industrial. Daí, não concebo como "limitado" esse movimento revolucionário cujo caráter insurrecional era tal que mobilizou, no lado da repressão, um contingente do exército inglês maior do que o enviado para Portugal no mesmo ano contra Napoleão e o Pacto Continental.
Nossas compreensões diferem. Penso que, do seu modo, o luddismo questionou: "para que serve toda a tecnologia e de quem está a serviço?"
Não devemos procurar modelos na história do movimento operário. O luddismo mostrou fraqueza para resistir às forças do capitalismo. Mas foi um movimento que demonstrou tanto qualidades quanto fraquezas. E entre suas qualidades estava sim fazer da sabotagem uma "resposta ao problema do trabalho naquele momento". Quebrando máquinas, os ludditas, se não derrubaram a burguesia do poder e implantaram uma nova sociedade, não deixaram de contestar a destinação da tecnologia e do trabalho humano. Também @s proletarizad@s fomos derrotad@s em 1848, na Comuna de Paris, na Revolução de Outubro, na Revolução Spartakista, na Espanha em 1936, em Praga e Paris em 68, e em tantos outros momentos. E valorizar essas experiências históricas é de grande utilidade para nossa luta hoje. Afinal, compa, se formos ser guiad@s pelo argumento da vitória, é sentar e esperar morrer.
* * *
Mas, ao que me parece, todos os argumentos do texto giram em torno da preocupação de que a resistência operária e a luta revolucionária sejam eficientes contra o caráter global e avançado do capitalismo contemporâneo, e que a sabotagem não possa nunca dar conta de tão gigantesca tarefa.
Como disse no início, não penso que a sabotagem seja uma fórmula geral de luta. Mais que isso, acho que não há essa fórmula geral a ser alcançada quando o que almejamos é uma emancipação onde @s proletarizad@s em seu conjunto sejamos o sujeito. Assim sendo, procurei pensar sempre a sabotagem dentro de todo o contexto de movimento social que @s proletarizad@s vivemos, não separando esse método de resistência de todas as outras dimensões necessárias de uma crítica prática radical do sistema capitalista.
Mas mesmo assim, penso que a sabotagem ocupa hoje um patamar de destaque em nosso movimento. Tal patamar provém da prioridade estratégica da superação das relações mercantis como base de toda transformação anticapitalista. Enquanto o mercado – cujo fundamento de existência são as relações assalariadas de exploração e a expressão concreta é o domínio contemporâneo das corporações monopolistas mundiais – subsistir, não poderemos @s proletarizad@s construir um mundo efetivamente comunista. Só superando o assalariamento por relações efetivamente diretas é que poderemos afastar a barbárie da experiência humana. E a sabotagem é um método privilegiado por atacar o coração mesmo da relação assalariada através da subversão do contrato da venda da força de trabalho.
Na unidade dialética que compõe a formação social capitalista, a venda da força de trabalho representa o núcleo central de toda exploração. Qualquer crítica prática que vise a superação do capitalismo contemporâneo deve-se pautar na negação dessa determinação como base de sua ação. @s proletarizad@s ou construimos em ato essa crítica prática do assalariamento, ou voltaremos sempre a integrarmos-nos ao sistema capitalista como correia de transmissão da grande engrenagem social.
A sabotagem revolucionária não é, portanto, "liberar ônibus com defeito, ministrar aulas sem qualidade ou prescrever remédios com displicência". Essa é uma caricatura de algo muito mais fundamental. A sabotagem revolucionária é, antes, a crítica prática, que hoje encontra-se, como tantos outros métodos de luta, ainda bastante isolado nos diversos espaços nos quais ela se dá, mas que compõe a necessária e indispensável experiência das novas relações sociais que constituirão a sociedade não aquisitiva e voltada para o uso e a plena satisfação dos desejos humanos.
Se Marx estava certo ao afirmar que "a revolução proletária será obra dos próprios trabalhadores", então essa obra só poderá ser moldada com os métodos dos próprios trabalhadores.
Este texto foi escrito por Tyrone em resposta ao e-mail de um compa no qual este fazia algumas considerações sobre o artigo publicado sobre a questão da sabotagem no número anterior de nossa revista. Iríamos publicar ambos os textos, como costumamos fazer nas polêmicas enriquecedoras que temos travado com outr@s compas. O compa que escreveu a polêmica, entretanto, estava impossibilitado de concluir a revisão do seu texto para a publicação e nos pediu que não publicássemos tal como enviara originariamente, pois havia uma série de correções que ele gostaria de fazer. Respeitando o pedido do compa, publicamos neste número apenas as considerações do Tyrone por considerarmos que elas de fato esclarecem algumas questões do artigo anterior.